
Senhora Solidão,
Escrevo porque preciso dizer-te algo
que está ao fundo do meu coração. E na verdade, não é um mero falar. Preciso
mesmo dialogar, refletir a dois ou a sós, sobre a nossa relação. Sei que
estamos muito próximos um do outro e que a Senhora quase sempre vem me ver.
Podes imaginar então que seria mais prático dizer-te em palavras audíveis logo
de uma vez: O que é prático nem sempre funciona, conforta ou orienta. Aliás,
quase nunca! Porque se desejamos encontrar respostas devemos abominar o
prático, porque uma resposta pode mudar tudo: Em que acreditaremos? Não digo
com isto que a verdade seja simples ou complexa (não quero entrar no assunto),
apenas que a busca por ela não é. Facilmente encontramos a mentira e nela nos
detemos, e para que não morramos nesta areia movediça sem nos darmos conta é
necessário sempre de novo verificarmos onde estamos pisando. A verificação da
realidade, da verdade, é então metódica, sempre deve ocorrer de novo, e nunca
sendo confiante nas aparência: o que parecia chão pode afundar!
Então, escrever será
como este exercício de olhar de novo o chão, isto é, o fundamento das nossas
crenças: é verificar então o “O que é?” e o “Porque é?”, procurar o “O que é”
significa pisar sobre determinado lugar, mas verificar o “Porque é?” significa
verificar bem se este chão é o suficiente para nos dar segurança ou se é falso:
Claro que este próprio “o que é?” já foi antecedido por um “porque é?”. Ninguém
deveria dar um passo sem saber por que o faz. Mas, uma vez feito, não pode
descansar em verificar sempre outra vez se este passo está mesmo seguro.
O objetivo de tantas palavras é apenas um: escrevo para refletir contigo, ou a
sós, sobre quem és tu ó Solidão! De onde viestes? Como me encontrastes? Tu és
minha benfeitora ou a pior das companhias?
Eu gostaria de começar por recordar um pouco o desde quando nos conhecemos.
Enfim, não posso garantir quando exatamente, porque é afinal de contas, desde
que me entendo por gente. E antes disto? Não sabia de nada, portanto tu não
existias. Mas, na minha infância, hoje eu sei, já estava sobre a tua tutela.
Embora não soubesse muito sobre ti. Portanto, não te oferecia grande
resistência, e eras pedófila, porque eu era apenas um garoto. Tu me conduzias
pelos corredores da escola durante os intervalos, éramos eu e tu, ou apenas,
eu.
Eu cresci um pouco, já na adolescência. Já tinha alguma ciência do teu assédio,
já sabia quem eras tu que sempre me acompanhava. E nesta fase eu não aguentava
o teu assédio, queria fugir, mas não sabia como fazer. No caminho da escola me
desviavas, sentávamos à praça, esperávamos. Regressávamos à casa da minha mãe:
“A aula acabou mais cedo”, claro que ela não acreditava, mas também não sabia o
que fazer. Entravamos no quarto, eu me deitava, e tu lá, comigo, e sobre o
cobertor me esfriavas. Por este período eu até descobri que amigos poderiam me
livrar de ti, encontrei alguns, dos bons. Mas, todos se vão: és tu a governanta
desta capital do Brasil? Será que foi tua trama que fez isto?
Passei muito tempo, entre te deixar ou não. É que tu és uma mulher muitíssimo
estranha. Teu vestido branco, tua palidez, teus cabelos negros, teu ar de
calma. De paciência, como o de que nunca irá embora. Tens um abraço, que é tua
grande arma, confortável e gelado. Primeiro, o ser humano não te suporta e
depois, é como se, mesmo não te suportando, posto que fogo sempre ira queimar,
não quisesse outra coisa.
Tu és tão impertinente, quando estou entre amigos ou parentes, não és capaz de
deixar-me a vontade nem mesmo um segundo! Estás lá, gritando agudamente em meus
ouvidos, meu coração sangra. E tu, és a única que vê a ferida e a mesma que me
socorre: tu sopras, e ali, congela, o sangue estanca, mas congela toda a minha
alma. Congelado no meio da multidão, és irresistível, ó Solidão!
A imaginação, lá sim eu consigo me refugiar. Miragens, nada pior para aquele
que está sedento ao deserto, do que ver água e então mergulhar numa desilusão.
Não poder saciar-se. Solidão, eu sonho, e nestes sonhos eu penso em me livrar
de ti. Não te zangues, é por isto que eu quero dialogar: quero saber o que é
mais correto ao homem fazer, em sua curta duração sobre a terra: Entrego-me a
ti ou te deixo? É possível deixar-te? Para onde irei de ti? É possível
felicidade contigo ou devo fugir para encontrar?
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